terça-feira, 11 de agosto de 2015

Junho de 2015

Na capa da revista
Pendurada na banca de jornal
As letras, destacadas, gritam
A classe média sofre
A crise
Na outra esquina
Um homem
Velho
Sem classe, sem casa, sem crise
Esmigalha um pão
Duro, velho, riste
Não é sua miséria
Ali estampada
Mas seus infinitos
Desenhados
Enquanto na praça
Lança migalhas
Aos pombos
Há dois dias, não é a matéria que me agoniza
É o desenho do homem e sua delicadeza
De sonhos
Que voam

Ele fica

Clara.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

A costureirinha sem pátria

Dizem que escrever é costurar palavras. Amar deve ser costurar corpos, falou a costureirinha. Agulhas, tesouras, máquinas, tecidos, veias, linhas e sangues. Mãos que trabalham incansáveis. O que rasga é carne, ponto sem nó. O que enlinha é alma, nó cego de ah, se eu fosse marinheiro. Bordados, remendos, moldes. Os dedos da moça sobre o tear, desenhando delicadamente sonhos de enxoval. As mãos cansadas da esposa fazendo reparos na calça velha do marido, já surrada por tantos dias de trabalho. A tesoura da mulher que, sob encomenda dos desejos de outro, recorta as formas que se adaptarão a contornos sem medidas nem simetria. Costureiras, como perfurar corpos, entrelaçar versos, enovelar almas?, perguntou a costureirinha, sem desviar os olhos do retrós de linha verde claro que, naquele momento, escorregava do seu colo, a ponta do fio ainda entremeada nas suas mãos. Fio que agora, esgarçado sabe-se lá por quê, parecia vermelho vivo sangue. Que mapas tudo isso formará, formaria? Para onde me leva, de onde me traz? O que fazer dessas manchas, desses panos? Haverá paradeiro? A costureirinha não tinha pátria. Um labirinto de pontos riscados impulsivamente sobre a pele era seu atlas de localização, a bússola que lhe ajudava a navegar, o alinhavo para seguir com a ponta da agulha herdada há tantos anos da avó da avó da sua avó. Caminhos percorridos, casa para se buscar, arremate onde se perder. Três retalhos para o fio de Ariana, descobriu enfim a costureirinha.

Clara.