Clara.
quarta-feira, 5 de agosto de 2015
A costureirinha sem pátria
Dizem que escrever é costurar palavras. Amar deve ser costurar corpos, falou
a costureirinha. Agulhas, tesouras, máquinas, tecidos, veias, linhas e sangues.
Mãos que trabalham incansáveis. O que rasga é carne, ponto sem nó. O que
enlinha é alma, nó cego de ah, se eu fosse marinheiro. Bordados, remendos,
moldes. Os dedos da moça sobre o tear, desenhando delicadamente sonhos de
enxoval. As mãos cansadas da esposa fazendo reparos na calça velha do marido,
já surrada por tantos dias de trabalho. A tesoura da mulher que, sob encomenda
dos desejos de outro, recorta as formas que se adaptarão a contornos sem
medidas nem simetria. Costureiras, como perfurar corpos, entrelaçar versos,
enovelar almas?, perguntou a costureirinha, sem desviar os olhos do retrós de
linha verde claro que, naquele momento, escorregava do seu colo, a ponta do fio
ainda entremeada nas suas mãos. Fio que agora, esgarçado sabe-se lá por quê, parecia vermelho vivo sangue. Que mapas tudo isso formará, formaria? Para
onde me leva, de onde me traz? O que fazer dessas manchas, desses panos? Haverá paradeiro? A costureirinha não tinha
pátria. Um labirinto de pontos riscados impulsivamente sobre a pele era seu
atlas de localização, a bússola que lhe ajudava a navegar, o alinhavo para
seguir com a ponta da agulha herdada há tantos anos da avó da avó da sua avó.
Caminhos percorridos, casa para se buscar, arremate onde se perder. Três
retalhos para o fio de Ariana, descobriu enfim a costureirinha.
Clara.
Clara.
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