domingo, 2 de maio de 2010

Não é de se deter

Você tenta conter, mas não consegue. Chega de repente, se amontoa na sua cabeça, perturba, cascavia um espaço qualquer pra se acomodar. E é um começo inesperado, as primeiras palavras soando como um baque repentino. O choro de um bebê após o parto, seu corpo ainda cheio de tecidos ensanguentados. Destino. O ladrão que chega sem avisar. O amigo mais íntimo, que adentra sua casa e sequer pede licença. De um jeito ou de outro, invasões bárbaras. Os dois lados de uma mesma moeda.
Sua coragem para abortar o que a natureza decidiu que deveria existir. Sua passividade em aceitar o que a vida lhe entregou de bandeja ou lhe fez engolir em seco, cru ou bem-passado. Esse seu protecionismo, o guarda-chuva sempre na bolsa, o cabelo escovado na definitiva e, ainda assim, o medo de permitir se molhar. A distração, o esquecimento, o descuido. Aquele dia em que a chuva te pegou no meio do caminho de volta pra casa e você só conseguiu correr e resmungar enquanto tudo o que restava a fazer era tocar um tango argentino ou seguir just singin' in the rain.
O extintor de incêndio no lado direito do seu carro, pronto para lhe socorrer ao mínimo sinal de fumaça. Você morta de cansaço às 2h:37 da madrugada, sem coragem de verificar se realmente baixou a válvula do bujão de gás, um desejo secreto e inconsciente de que tudo se exploda.
A vassoura atrás da porta, afinal, você sobrevive muito melhor sozinha. O Santo Antônio virado de ponta-cabeça e escondido na última gaveta do armário, seu jeito inconfessável de se exibir pra solidão – artimanhas de quem acha que sofrer é amar demais.
Sua capacidade de chegar bem perto da linha aterrorizante e falsa do limite, se equilibrar sobre ela ou até mesmo atravessá-la, sabendo que do outro lado não encontrará nenhum pote de ouro, mas apenas o começo de uma outra linha, mais limite, mais falsa e mais bamba que a anterior.
O destino. Aquele senhor barrigudo e rabugento, tomando sua cerveja e fumando seu cigarro na mesa enferrujada do bar decadente, ele e o bar tão inevitáveis quanto o beco sem saída onde os dois se encontram. Você no final daquele beco, perdida nas armadilhas do labirinto que te fez chegar ali. Sua decisão por subir nas paredes, voltar pelos caminhos tortos e/ou se manter eternamente à margem dos que seguem as veredas estreitas que levam ao céu.
Sua distração e o trombadinha da esquina aguardando o momento oportuno de esbarrar com você e lhe atirar contra o solo, estilhaços de suas lentes por todos os lados. Você devia ter visto, mas não viu. Os três cavalheiros a lhe acudir, nenhum dos três chapéu na mão. Seu conforto em se manter na queda. Esse medo de ser feliz. Essa impulsividade na entrega. Esse desviar-se dos encontros. Esse ininterrupto esperar pelo novo.
O destino. Aquele que nasce e cresce contigo. O teu pai e o teu filho. O que gera e é gerado dos teus dias. O começo e o fim, os dois fundindo-se na mesma pessoa você. A moeda girando sobre a mesa até o momento de mostrar a cara e te coroar com a sorte. Vida. O que a gente precisa atravessar para chegar do outro lado.

"Só um amor que dura até o outro lado é um amor pra vida toda" - Adriana Falcão

"E não pensai que podeis dirigir o curso do amor, pois o amor, se achar que mereceis, dirige o vosso curso" - Khalil Gibran
Clara.

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